sábado, 21 de fevereiro de 2009

Fim Feliz ou Infeliz


Autor: António Torrado

Ilustrador: Cristina Malaquias

O abutre, no ar, e o chacal, na terra, têm uma grande parecença. Ambos se alimentam de detritos, restos putrefactos que os outros animais, mais destemidos na caça, abandonam, depois de saciados. Este gosto comum por tudo o que mete nojo é que os une.
Mas não lhe queiramos mal. Estes e outros bichos que tais, como o condor, que é da família do abutre, ou a hiena, parente próxima do chacal, são essenciais à vida. Não fossem eles e a carne em putrefacção ou os animais doentes contaminariam a natureza e provocariam epidemias.
Tudo certo, mas não deixam de ser repugnantes.
Na nossa história, o abutre e o chacal associados acompanhavam o rasto de uma velha zebra combalida. Faziam apostas:
- É para hoje - dizia o chacal.
- É para amanhã - dizia o abutre.
- Em qualquer dos casos, temos banquete para de aqui a um mês - concluia o chacal.
A zebra velha atardava-se e as restantes da manada encurtavam o passo, para se não despegarem dela.
Uma zebrinha, neta da zebra doente, animava-a.
- Coragem, avó. Já pouco falta até chegarmos ao rio.
- Não chego lá - queixava-se a velha zebra. - Sinto aproximar-se de mim o cheiro nojento do chacal.
Longe, espiando, o chacal avisou o abutre:
- A velha está a falar de mim.
- E o que diz? Diz bem? - quis saber o passaroco.
- O melhor possível - respondeu o chacal, com um riso maldoso.
A zebra encostou a cabeça à terra, pronta para tudo. Relançou um olhar resignado à volta, como que a despedir-se. Nisto reparou num pequeno cacto, encimado por uma flor roxa de pétalas carnudas. Chamou a neta:
- Vai colher-me aquela flor, mas, cuidado, não te piques.
A zebrinha trouxe-lhe a flor na boca.
- Abençoada flor - disse a velha zebra, mastigando-a, demoradamente, e deglutindo-a, depois, enquanto as lágrimas lhe escorriam pelo focinho.
- Está a chorar porquê, avó? - afligiu-se a neta.
- De felicidade - respondeu a zebra.
E explicou, então, que aquela flor era muito rara e tinha propriedades maravilhosas. Dava nova vida aos moribundos, força aos fracos, saúde aos doentes. Providencialmente, encontrara-a, quando já estava disposta a morrer.
A velha zebra saltou como nova. Cabriolou, trotou, galopou e tanto correu que a zebrinha teve dificuldade em acompanhá-la.
- Estás a ver o que eu estou a ver? - abismou-se o chacal que, de longe, a tudo assistira.
- Estou e não acredito - disse o abutre. - Fomos enganados. Esta história não devia acabar assim.
Talvez não, mas quem a escreveu teve de tomar partido. Um fim feliz para zebras e zebrinhas não pode ser um fim feliz para chacais e abutres.
É sempre assim, na vida.

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